terça-feira, 10 de janeiro de 2012

P(*)EMAS C(*)M N(*)TAS DE R(*)DAPÉ - 31

(*) Madrugada entre shows. Escrevo na escuridão de uma estrada em Minas. Soa familiar para vocês? Para mim é tão natural quanto eu gostaria que fosse. Um monte de fantasmas de outras viagens divide espaço com o ronco da equipe neste ônibus. Outras viagens guardam algo da mesma viagem.
Greg Ladanyi produziu o nono disco dos Engenheiros do Hawaii, Simples de Coração. Eu estava passando por uma destas trocas de pele pela qual todos passam e costumo ficar mais fechado, na minha, nestes períodos. Produtor de sucesso, com um Grammy no armário, ele também estava num momento de transição, começando a exportar seu trabalho. Demorou um pouco para nos entendermos.
Foi um mal entendido bobo que ajudou a quebrar o gelo. Num jantar, ele reclamou que eu chamava ele, preconceituosamente, de "gringo". Não entendi a queixa. Já ia dizer que ele estava delirando quando me dei conta do que havia acontecido. No sul, costumamos chamar os imigrantes italianos de gringos. Por isso, às vezes, chamo Adriane de gringa, geralmente em meio à alguma brincadeira. Sem entender português, Greg ouvia a palavra seguida de risos e pensava que estávamos tirando onda com ele.
Sem entender uma palavra de português, para Greg tudo era som. Uma vez me pediu para tirar a última palavra de um verso, tive que explicar que aquilo não era uma palavra, eram as duas últimas sílabas da palavra anterior. Este foi o aspecto mais interessante daquele trabalho. Me sentia mostrando quadros para um daltônico. Greg não era músico, o que deixava o papo mais abstrato ainda. Eram necessárias duas traduções: uma de idioma, outra de conceitos.
Como traduzir anos e anos de significados que as palavras acumulam? São intraduzíveis. Como explicar as rimas que já passaram por tantas canções, sempre as mesmas, nunca iguais? Isso não quer dizer que um daltônico enxerga menos. Sem as cores, ele acaba se fixando nos formatos. Outros olhares sempre enriquecem a paisagem.
Figuraça, o Greg. Alto pra caramba e com voz tonitroante. Grandiloquente como toda a cultura do entretenimento estadunidense, ele ficava indignado que meu carro fosse compacto, só com duas portas. Não sei porque, ele me chamava Gentle Giant (de horse e horseman, também). O apelido cairia bem nele. De cada passeio por Copacabana ele voltava apaixonado por alguma mulher. Perdidamente.
Recentemente fiquei sabendo que Greg faleceu. Fiquei duplamente chocado, com a notícia e com a forma como aconteceu. Ele estava na Grécia, assistindo a um show de uma cantora que ele produziria, expandindo seu raio de ação. Caiu do palco, bateu a cabeça.
Hoje ele está muito vivo neste ônibus escuro em que escrevo. Ainda ouço uma animada conversa entre ele e Alexandre Master, nosso técnico de som. Em 1995, antes de irmos para Los Angeles gravar o disco, Greg veio ao Brasil assistir a alguns shows, conhecer melhor a banda. Um desses shows foi em Santos. Na viagem de volta, Alexandre Master e Greg, gigantes gentis, bateram um papo que parecia divertidíssimo durante horas, a RIO-SANTOS inteira. O detalhe que tira e dá sentido à história é o seguinte: Master não domina o inglês, Greg não entendia uma palavra de português. Um começava : "Cara..." e o outro continuava: "...man!". Pra melhorar a conversa, era Master que ia em inglês e Greg que voltava em português! Conversavam numa espécie de esperanto compartihada por todo saltimbanco, desde sempre.

Um abraço simples, mas de coração.

*Texto retirado do BLOG do Humberto Gessinger. www.blogessinger.blogspot.com

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