terça-feira, 20 de novembro de 2012

Vivendo de Esperança

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O olhar perdido já era costumeiro. Luiz acordava, tomava um caneco d'água, lavava o rosto, saia pro alpendre e ficava com o olhar distante no nascente.

A esperança em dias melhores era mais forte que a tentação de migrar para a cidade. Muitos já foram, com a promessa de voltar quando tudo melhorasse.

Luiz ficara. Suas raízes na terra quente e seca eram mais fortes que a fome e a sede. Sua fé no inverno vindouro e próximo falava mais alto que o medo. Sua esperança de que sua vida voltasse a ser como antes era maior que tudo.

Já estava no final do mês de novembro e, aos poucos, começava a fazer suas experiências. Eram muitas e nem todas tinham sua lógica, mas pro coração do sertanejo, tudo era sinônimo de esperança.

Torcia para que não chovesse naquele mês, afinal, chuva em novembro era sinal de inverno desmantelado. Sempre foi assim, inclusive nos dois anos anteriores. Choveu bastante em novembro e deu no que deu: seca. Por isso, naquele momento o olhar perdido pedia mais por sol do que por chuva. Queria um inverno bom e com chuva farta, mas não agora.

Em dezembro, logo no dia 13, faria a experiência de Santa Luzia. Colocaria, na noite do dia anterior, uma pedra sobre o peitoril, com sete riscos de tamanho idênticos e, entre esses riscos, uma pedra de sal. Cada pedra representava um mês do ano seguinte. No outro dia, bastava observar o sal e ver quais estavam umedecidos. Era a chuva dos meses de janeiro a junho. A experiência do ano passado não tinha falhado. Desde logo soube do sofrimento que enfrentaria. Não tinha uma pedra sequer que tivesse ficado mais molhadinha.

Seu compadre e vizinho também tinha feito a experiência no ano anterior e tinha tido um resultado curioso. Segundo ele, o inverno ia ser dos melhores, pois as pedras amanheceram derretidas em água. Ninguém entendeu. Vários conhecidos foram ver o feito, sem acreditar na possibilidade. Muitos queriam crer que todos estavam errados, menos ele. Logo, porém, foi descoberto o erro. O velho sertanejo tinha colocado a pedra com o sal em cima de uma cisterna. Lugar mais úmido não havia num raio de quilômetros. Uma pena.

De fato, aquela experiência não falhava. Luiz fazia essas e outras sempre que podia. Gostava de observar a natureza e, observando, meio que planejava sua vida. Era só terminar o mês de novembro sem chuva que iria começar a roçar. Ia usar o mesmo roçado dos dois anos anteriores. Estava limpo ainda, bastava uma sacodida na terra e a retirada de uns poucos galhos secos que insistiram em crescer em meio à seca.

Nos anos anteriores limpara, mas não plantara. Tinha economizado, aos menos, aqueles grãos. Tinha muita fé na chuva, mas sabia que se as experiências dessem errado, nem adiantava teimar. Nunca, em quase quarenta anos de vida adulta, tinha perdido uma previsão. Se a natureza dizia que ia ser seca, nem plantava. Se mostrava que ia ter chuva, roçava, plantava e colhia farto.

Só teve um ano em que sua previsão não foi das mais acertadas. Naquele ano de 97 o inverno começara bom. Logo em dezembro vieram as primeiras trovoadas. Muitos se apressaram. Ele esperou por janeiro. Plantou e viu seu roçado crescer vistoso. O inverno parecia perfeito, mas no dia de São José, veio o que ninguém esperava. Chuva desde a madrugada. Era um péssimo sinal.

O dia de São José ocorre no dia 19 de março, 48 horas antes do equinócio e tinha pra Luiz um significado todo especial. Se até aquela data o inverno não se manifestasse, considerava perdidas todas as esperanças. Mas esse dia também tinha suas mensagens. Ele tinha que amanhecer com o céu limpo, com sol. Chuva somente a tarde. Se amanhecesse chovendo, era sinal de inverno findando. Era o que se chamava de seca verde. Chovia, mas não o suficiente para encher os açudes.

Naquele ano de 97 o dia de São José amanheceu inundado por chuva em todo o sertão. Era o prenúncio de um desastre. E ele não tardou a acontecer. Luiz perdeu toda a lavoura. O grãos que estavam por vir não vingaram. teve que arrendar sua plantação pra um vizinho que tinha um gado farto. O que ia lhe tirar a fome, serviu pra alimentar o gado alheio.

Jamais esquecera daquele ano. Enquanto olhava o horizonte, torcendo pra não vir chuva em novembro, Luiz lembrava-se com tristeza daquele ano de 97, ano em que perdera quase tudo. Perdera o plantio, perdera tempo, trabalho, mas também perdera sua Mocinha.

Já se passavam 15 anos, mas não tinha um só dia que ele não lembrasse de seu cheiro. Sua parceira de toda a vida tinha lhe deixado sozinho, sem filhos, sem ninguém.

Casaram muito novos. Luiz, filho mais velho de um antigo latifundiário da região, tratou logo de ganhar um pedacinho de terra. Mocinha, ou Dona Mocinha como passou a ser chamada, era a moça mais linda da região. Filha de uma cabocla com um imigrante holandês, que andou por aquelas bandas nos primórdios dos anos 50 em busca de aventuras. Dona Mocinha herdara a beleza do pai e a sensualidade da mãe. Tinha lindos cabelos castanhos claros, pele morena e olhos da cor do inverno, como gostava de dizer Luiz. Verdes como gosta o sertanejo.

Casaram e foram morar juntos. Nunca tiveram filhos. Não se sabe se por problemas de Luiz ou de Dona Mocinha, a verdade é que nunca conseguiram, embora sempre desejassem. Principalmente Mocinha que sempre quisera uma família grande e farta. Daquelas que enche uma casa. Sonhava com isso desde criança, pois nunca teve irmãos e viveu por muitos anos sozinha com sua mãe.

Mas quis o destino que os dois morassem sós, por quase três décadas. Foram anos de muita luta, trabalho, mas também de muito amor, cumplicidade, amizade, esperança, até que um dia Deus resolveu levar Mocinha.

Luiz olhava o horizonte e sentia o cheiro de café quente que ela fazia toda manhã. Ele acordava antes do amanhecer pra juntar o gado e tirar o leite. Quando voltava, encontrava aquele café quentinho, com cheiro de aconchego. Encostava no peitoril e tomava o café olhando o horizonte enquanto Mocinha lhe olhava, apaixonada.

Estava exatamente ali, no peitoril, olhando o horizonte. Só que sem o café, sem sua Mocinha.

Não se sabe ao certo o que a levou. O que se sabe é que foi rápido. Muito rápido. Um dia ela sentiu dores na cabeça, levaram num médico da cidade que lhe receitou uns exames. Em vão. Morrera a caminho de casa, subitamente.

Desde então Luiz tem vivido só. Nunca pensou em mais ninguém. Nem quer. O pensamento de que sua Mocinha ainda vive e convive com ele é algo que trás no pensamento, quase como um delírio. Imagina ela ao seu lado na cama, sentada à mesa, durante o almoço. Inclusive ali, no peitoril, olhando o horizonte. Imagina ela ao seu lado, lhe olhando, admirando seu olhar perdido e esperançoso. Esperançoso por chuva, rios e açudes cheios, mesa farta, crianças correndo pela casa, cantigas de ninar...filhos que nunca tiveram mas que também vivem em seus pensamentos...

E assim Luiz vai vivendo de esperança. Esperança de que tudo reviva pra ele. Esperança em ver sua Mocinha de novo. De poder segurar sua mão enquanto observa o tempo subindo, as nuvens formando e a chuva chegando. Aquele cheiro de terra molhada, misturado ao cheiro de seus cabelos cor de mel. O banho de chuva em seus braços. Olha pro horizonte e espera, dia após dia, sozinho, sem perder a fé...

terça-feira, 13 de novembro de 2012

O valor do sertão pro sertanejo

A vida no sertão nem sempre é difícil. Mesmo os mais desafortunados dos sertanejos têm seus relances de alegria e contentamento.

Fialho era o filho mais novo de um casal de sertanejos à moda antiga. Desses que se recusavam a aceitar a chegada da modernidade de uma forma muitas vezes agressiva. Achavam que bom mesmo era viver na simplicidade. Tudo que era moderno era ruim. Contaminava.

Certa vez Fialho comprou um rádio de pilhas. Gostava de ouvir músicas e, como em sua casa não tinha energia elétrica, sempre tinha que ir pra casa dos amigos se socorrer. Eles já tinham até televisão. Na casa de Fialho, nem se falava do assunto.

Chegou em casa todo espilicute com a nova aquisição. Juntava seu dinheiro há meses, ganhado a duras penas nas diárias que dava pro patrão. Ajudava sempre em casa, mas tirava um pouco do que ganhava pra cachaça. Outro pouco guardava pra comprar alguma roupa ou quem sabe pagar uma passagem até Sobral. Lá tinha de tudo. Numas dessas viagens, resolveu comprar o micro-sistem, ou "minisisti" como chamava.

Entrou em casa e deixou o equipamento no seu quartinho. Ainda não tinha comprado as pilhas, logo, não poderia usá-lo. Só dali há algumas semanas quando juntaria dinheiro suficiente.

Guardou e não contou a ninguém. Seus pais já eram bem velhos e, com o hábitos rígidos, demorariam a se adaptar àquela caixa falante. Era melhor prepará-los antes, para que se acontumassem com a ideia e depois permitissem que ele usasse o aparelho. A rigidez de seus pais era tamanha que todos os irmãos e irmãs mais velhos de Fialho já tinham saído de casa. Uns por causas natuais, como casamento ou morte. Outros por não suportarem viver em tamanho isolamento. Queriam ver TV, queria uma geladeira, ouvir música. Mais recentemente um de seus irmãos comprou um aparelho celular que pega na varanda da casa dele. É só ficar em pé em cima do peitoril, olhando pro poente e encostar o braço no pé de castanhola que tem do lado. Pronto! O sinal é quase bom!

Mas Fialho não tinha nada disso. Até então, pensava ele. Como filho mais novo, os pais haveriam de abrir uma exceção e lhe permitir o direito de ouvir seus forrós com tranquilidade. Baixinho. Não assustaria ninguém!

Guardou o som e foi trabalhar, feliz. Dali alguns dias teria o que tanto queria.

Ao retornar, já ao entardecer, percebeu algo diferente em seu pai. Ele estava sentado na calçada, como sempre ficava, mas dessa vez seu olhar era de alegria e contentamento. Muito diferente do olhar sério, mas sereno, de sempre.

Pediu a bênção e ia entrando, quando seu pai perguntou:

- Cê sabe dizerde quem era aquele negócio que toca música que tava lá no seu quarto?

- É meu, painho. Comprei hoje de manhã na feira de Sobral. O Senhor viu, foi?

- Se vi! Seu tio Chico veio deixar uma saca de milho e encontrou o bicho. Botou uns negócios dentro e ele começou a tocar uns chachado! Gostei tanto que vendi pra ele!

- Cê vendeu, meu pai? Mas era meu! - disse o filho desesperado!

- Oxente, menino! Tá aqui o dinheiro - falou estendendo a mão e entregando quase o dobro do que Fialho tinha pago pelo aparelho!

- Mas painho! Aqui tem muito! Tio Chico vai ficar chateado quando souber o preço certo.

- Fica não, meu filho. No sertão as coisas da cidade valem mais. Na cidade, as coisas do sertão vale menos. Por isso que só tenho coisas nossas. Só eu sei o valor do que tenho.

Fialho entrou refletindo sobre o que ouvira.

O velho sorriu feliz.


domingo, 11 de novembro de 2012

O futuro que estamos plantando!

PIB - Perfeito Idiota Brasileiro



PIB. Chamemos de PIB. O Perfeito Idiota Brasileiro.

Vamos descrever o dia do PIB. Vinte e quatro horas na vida de um PIB para que os pósteros, a posteridade, tenham uma idéia do Brasil de 2012.

Ele acorda às sete horas da manhã. Tem que preparar o próprio café da manhã. Já faz alguns anos que sua mulher parou de fazer isso para ele, e ficou caro demais para ele pagar uma empregada doméstica.

Ele lamenta isso.  Era bom quando havia uma multidão de nordestinas sem instrução nenhuma que saíam de suas cidades por falta de perspectiva e iam dar no Sul, onde acabavam virando domésticas.

PIB dá um suspiro de saudade. Chegou a ter uma faxineira e uma cozinheira nos velhos e bons tempos. Num certo momento, PIB percebeu que as coisas começaram a ficar mais difíceis. Havia menos mulheres dispostas a trabalhar como domésticas, e os salários foram ficando absurdos.

Para piorar ainda mais as coisas, ao contrário do que sempre acontecera, a última empregada de PIB recusou votar no candidato que ele indicou.

Mulherzinha metida.

Foi por coisas assim que PIB aderiu ao movimento  Cansei, ao lado de ativistas notáveis como Boris Casoy, Hebe Camargo, Agnaldo Rayol e João Dória Júnior. Empolgante o Cansei. PIB quase fora a uma manifestação. Só desistiu porque era sábado e sábado a feijoada era sagrada. O protesto com certeza fora um sucesso.

O povo unido jamais será vencido.

PIB tomou o café na cozinha, com o Globo nas mãos. Assinava o jornal fazia muitos anos. Se todos os brasileiros fossem como o Doutor Roberto Marinho, PIB pensou, hoje seríamos os Estados Unidos. Bonito o choro do Bonner ao anunciar no Jornal Nacional a morte de Roberto Marinho.

Por que ainda não ergueram estátuas para ele?

Com o Globo, PIB iniciou sua sessão de leituras matinais. Mais ou menos quarenta minutos, antes de ir para o escritório.

Leu Merval. Quer dizer, leu o primeiro parágrafo e mais o título porque naquele dia o texto, embora magnífico, estava longo demais. Havia um artigo de Ali Kamel. “Um cabeça”, pensou PIB. “Deve ter o QI do Einstein.” Mas também aquele artigo –embora brilhante, um tratado perfeito sobre o assistencialismo ou talvez sobre o absurdo das cotas, PIB já não sabia precisar — parecia um pouco mais comprido do que o habitual. Deixou para terminar a leitura à noite.

PIB vibrou porque, se não bastassem Merval e Kamel, havia ainda Jabor.

Um gênio. Largou o cinema para iluminar o Brasil com sua prosa espetacular. Um verdadeiro santo. Podia estar com a sala da casa cheia de Oscar.

Começou a ler Jabor e refletiu. “Impressão minha ou hoje aumentaram o tamanho do Jabor?” PIB sacudiu a cabeça, na solidão da cozinha, num gesto de reverência extrema por Jabor, mas também achou melhor deixar para ler mais tarde. Era seu dia de sorte. Também o historiador Marco Antônio Villa estava no Globo. “Os primeiros 18 meses do governo Dilma foram fracassos sobre fracassos” era a primeira linha. Bastava. Villa sempre surpreendia com pensamentos que fugiam do lugar comum.

Como uma terrorista chegou ao poder? Bem, tenho que comprar algum livro de história do Villa. Ele com certeza escreveu vários.

Completou a sessão de leituras da manhã na internet. Leu Reinaldo Azevedo.  Quer dizer, naquela manhã, leu um parágrafo. Na verdade, metade. Menos. O título. Não importava. Azevedo era capaz de mesmerizar toda uma nação com a luz cintilante de meia dúzia entre milhares de linhas que produzia incessantemente. PIB deixava escapar um sorriso de admiração a cada vez que li a palavra “petralha” em Azevedo.

Rei é rei. Um cabeça pensante. Por que será que não ocorreu a nenhum presidente da República contratar esse homem como assessor especial? Se o Brasil bobear, a Casa Branca vem e contrata.

Debate é assim.Medalhinha. Chamar um tal de Nassif de Nassífilis. PIB julgava FHC um banana. Não sabia debater. Bananão. Como FHC podia dizer coisas assim? “Eu não estou aqui para ver o PT se arrebentar. O Brasil precisa de partidos que tenham uma certa história, e o PT tem.” Isso em 2005, quando era o momento de derrubar o lulopetismo. E essa outra? “Por que o mensalão se tornou conhecido? Porque o Roberto Jefferson teatralizou o mensalão.” E essa então? “O Lula, ao invés de renunciar e desistir, disse: eu vou brigar. O Lula foi decisivo naquele momento, em dissipar o mensalão.”

Ba-na-não! Graças a Deus já passou dos 80 e não pode mais atrapalhar o Brasil. O campo ficou livre para o Serra e o Aécio!

Ainda na internet, uma passagem pelo Blog do Noblat. Naquele dia, no blog havia uma coluna assinada por Demóstenes. PIB deu parabéns mentais a Noblat por abrir espaço a Demóstenes, nosso campeão mundial da moralidade, nosso Catão. PIB guardara um texto de Demetrio Magnolli, outro cérebro avançado, em que este prestava um justo tributo à nossa reserva moral no senado. Saíra na edição das 100 pessoas mais influentes da revista Época. Anotou um trecho: “Não é preciso concordar com tudo que ele fala ou faz para homenageá-lo. Demósteneses não é mais um comerciante num mercado em que se trafica influência em troca de cargos ou privilégios. Ele tem princípios e convicções.”

Por que falam tanto do tal do Assange e do Wikileaks quando temos tantos caras muito melhores?

A caminho do trabalho, PIB ligou na CBN. Ouviu uma entrevista com o filósofo Luiz Felipe Pondé. “Meu pequeno carro não contribui para o aquecimento do planeta”, disse Pondé, o nosso Sócrates, o Aristóteles verde-amarelo. Pondé ganhara imediatamente a admiração de PIB quando reclamara dos pobres que estavam congestionando os aeroportos. A última vez que viajara para Miami ficara revoltado com as pessoas inferiores que iam voar.

Bem, preciso anotar aquela. Meu pequeno carro não contribui para o aquecimento global.

Isso o levou a reparar nos ciclistas nas ruas de São Paulo. Cada dia parecia haver mais. Mau sinal. Havia muitas bicicletas no trajeto. PIB sentiu vontade de atropelá-las em grupo e fazer um strike. Odiava ciclistas. Atrapalhavam os motoristas. Tivera vontade de vomitar quando vira a foto de um ciclista inglês de bunda de fora — branca e mole como um pudim —  numa marcha nudista por mais espaço e segurança em Londres para as bicicletas.

Abria uma única exceção: Soninha. Desde que ela continuasse a posar pelada em nome das bicicletas.
Hahaha. Hohoho.

Na CBN ouviu também informações e comentários sobre o mundo. “Prestígio em Paris dá vantagem a Sarkozy nas eleições presidenciais”, a CBN avisou. PIB admirava Sarkozy. Proibir a burca foi um gesto histórico. As muçulmanas deveriam ser gratas a Sarkozy. Elas haveriam de votar maciçamente nele para dar a ele o segundo mandato para o qual a CBN dizia que ele era o favorito.

Os maridos obrigam as coitadas a usar burca.

O tema do islamismo estava ainda em sua mente quando se instalou em seu cubículo de gerente na empresa. PIB refletiu sobre o mundo. Tinha lido em algum lugar que no Afeganistão as pessoas queriam que os soldados americanos fossem embora.  Os afegãos estavam queimando bandeiras dos Estados Unidos. A mesma coisa estava ocorrendo no Iraque. E no Iêmen. Em todo o Oriente Médio, fora Israel.

Ingratos. Como eles não percebem que os Estados Unidos estão lá para promover a democracia e levar a civilização? Os americanos estão acima de interesses mesquinhos por coisas como o petróleo.
Era um perigo o avanço muçulmano. Não que apoiasse, mas PIB entendia o norueguês que matara 77 pessoas por considerar que o governo de seu país era leniente demais com os muçulmanos.

A raça branca está em perigo.

Entretido em salvar a raça branca, PIB não percebeu o tempo passar. Só notou pela fome que já era hora de comer. A opção, mais uma vez, foi pelo Big Mac do shopping, e mais a Coca dupla. Detestava os ativistas dos direitos dos animais porque combatiam os Big Macs. PIB estava tecnicamente obeso, mas na semana que vem iniciaria uma dieta e começaria também a se exercitar.

Fim do expediente. A estagiária estava com um decote particularmente ousado. Talvez estivesse sem sutiã. PIB a chamou algumas vezes para discutir assuntos que na verdade não tinham por que ser discutidos. A questão era olhá-la. Valeu o dia, refletiu. Home office é uma bobagem porque não permite esse tipo de coisa: olhar para meninas gostosas no escritório.

Na volta, mais uma vez foi tomado pela tentação de atropelar os ciclistas. “Quando você deseja muito uma coisa, todo o universo conspira a seu favor”. PIB se lembrou da frase de seu escritor favorito, Paulo Coelho. Então ele desejou muito que as bicicletas sumissem.

Xiitas. 

Algum colunista escrevera isso sobre os ciclistas. PIB não lembrava quem era, mas concordava inteiramente. Os ciclistas são gente esquisita que deve fazer ioga e praticar meditação, suspeitava PIB.

Tudo gay!

Já incorporara para si mesmo a frase genial de Pondé.

Meu carro pequeno não contribui para o aquecimento global.

No churrasco de domingo, ia soltar essa. Teve um breve lapso de inquietação quando se deu conta de que os brasileiros que tanto contribuíam para a elevação do pensamento nacional já não eram tão novos assim, O próprio Merval era imortal apenas pela sua contribuição às letras, reconhecida pela Academia. Então lhe veio à cabeça a juventude sábia e influente de Luciano Huck, e ficou mais sossegado.

A mulher não percebeu quando ele chegou. Não era culpa dela. A televisão estava ligada com som alto na novela da Globo. PIB lera várias vezes que as novelas tinham uma “missão civilizadora” no Brasil. Mais uma dívida dos brasileiros perante Roberto Marinho: a perpetuação das novelas cvilizadoras. A mídia impressa brasileira reconhecia a missão civilizadora na forma de uma cobertura maravilhosa das novelas. Uma vez um leitor da Folha reclamou por encontrar na Ilustrada seis artigos sobre novelas.

O brasileiro só sabe reclamar. E reivindicar. Uma besta!

PIB deu um alô que não foi ouvido. Ou pensou ter dado. Sentou ao lado da mulher, e o silêncio confirmou para ele sua tese: depois de muitos anos de casamento as pessoas se entendem tão bem que não precisam trocar uma só palavra. Nem se tocar. É quando o casamento chega ao estágio da perfeição: ninguém tem que fazer nada. É o estágio superior em que o matrimônio se santifica pela ausência do sexo. A cada quinze dias, PIB tomava Viagra e descarregava as tensões sexuais com uma escorte que cobrava 400 reais.

Tá barato. Um dia ela topa beijar!

Não ligava muito para as novelas civiizadoras. Mas soubera no escritório que Juliana Paes aparecia de vez em quando pelada. Passou por sua cabeça um pensamento rápido.

Talvez eu devesse pedir para a patroa me avisar quando a Juliana Paes ficar sem roupa.

Terminada a novela, era a sua vez na televisão. Futebol. Bacana o futebol passar bem tarde, depois da novela. Provavelmente a Globo pensara nisso para ajudar os pobres que moravam longe e demoravam horas para chegar em casa depois do trabalho.

“Boa noite, amigos da Globo!”

A voz do Brasil se apresentou. “The voice”, pensou PIB em inglês.

Um carisma total o Galvão. Subaproveitado. Devia estar no Ministério da Economia, e não narrando escanteios e tiros de meta.

PIB lera que Galvão estava morando em Mônaco. Sabichão. Ficava muito mais fácil, assim, cobrir a Fórmula 1. Nunca alguém da estatura moral de Galvão optaria por Mônaco para não pagar imposto. Galvão certamente faria bonito na Dança dos Famosos de seu amigo Fausto Silva, o Faustão, outro civilizador, especulou PIB em sua mente criativa.

PIB não torcia a rigor para time nenhum. Era, essencialmente, anticorintiano. Com seu segundo saco saco de pipocas na mão, viu, contrariado, o Corinthians vencer.

Amanhã os boys vão estar insuportáveis.

PIB queria muito ver o Jô.

Era um final de dia perfeito, ainda mais porque antes havia o aperitivo representado por William Waack. PIB achava um privilegio poder ver Waack não apenas na Globo como na Globonews. Os Marinhos podiam cobrar pela Globonews, mas não faziam isso para proporcionar cultura de graça aos brasileiros. PIB zapeava quando Waack dava suas lições na televisão, em busca quem sabe de uma mulher pelada no horário tardio, mas os fragmentos que pescava eram suficientes.

Jô. Não posso perder Jô. Uma enciclopédia. Podia ser editorislista do Estadão. Hoje ele vai entrevistar o Mainardi!

Manhattan Connection era simplesmente obrigatório, embora PIB o dividisse com vários outros enquanto manejava o controle remoto.  Outro dia PIB vira um cara que merecia atenção: Marcelo Madureira. Com sua memória fotográfica, PIB instantaneamente o reconheceu: trabalhara como humorista na Praça da Alegria. Ou na Zorra Total?

PIB bem que queria ver Jô. Ou pelo menos incluí-lo no zapeamento. Duas palavras de Jô valiam por mil das pessoas normais. Faziam você pensar e, além do mais, rir porque o cara tinha um estoque ilimitado de piadas.

Não vejo graça nenhuma no Woody Allen. Mas em compensação o Jô!

Mas não foi possível ver o gordo que ensina e alegra milhões de brasileiros.

PIB acabou dormindo no sofá, do qual sua mulher achou preferível não o tirar, e onde ele roncou tão alto quanto o som da tevê — e teve, como sempre, o sono límpido, impoluto, irreprochável dos perfeitos idiotas.

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O PIB brasileiro está em franco crescimento (infelizmente...).  




Texto de Paulo Nogueira, retirado do site:


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A chuva e o sentimento


Não sei quem inventou o termo "tempo bom", mas sei que, certamente, essa pessoa não nasceu no sertão.

Tempo bom, no jargão popular, se refere ao céu sem núvens, sem chuva, com sol e calor.

Pra mim, tempo bom é aquele que tem vento, brisa, trovão, menino correndo, cheiro de terra molhada. Tempo bom é aquele que molha a alma, que banha o coração e faz os olhos encharcarem. 

Tempo bom é o que alimenta, e confesso que nunca vi nascer uma planta sem uma gota dágua. Tempo bom é o que mata a sede. 

Gosto de olhar pro céu e deixar imaginar a chuva chegando, as nuvens subindo, a brisa mudando, esfriando, o céu escurecendo no meio da tarde, o desespero dos pássaros em busca de abrigo.

Tento adivinhar em quanto tempo a chuva chega, quase sempre erro, mas finjo que tenho meios de prever a velocidade do vento, a direção das nuvens e a intensidade das gotas. Gosto de brincar de Deus, não como forma de afrontá-lo, mas talvez como forma de agradecê-lo por nos presentear com algo tão magnífico.

Afinal, que tipo de alimento é esse que cai dos céus? Que tipo de dádiva nos traz algo tão vital e tão gratuito, que já chega limpa, pura e pronta para o consumo? Minhas tentativas (vãns) de adivinhar a natureza é uma forma de gratidão, de submissão e de contentamento.

Por vezes me pego dizendo: - que saudade de brincar na chuva, correr de pés descalços, construir barragens na pequenas grotas que se formam na terra, na próxima chuva farei tudo isso. 

As chuvas vêm e vão e nunca tenho coragem de me deixar regredir à minha infância, momento de magia irresponsável, onde a diversão é prioridade e a opinião alheia é ignorável.

Quem sabe um dia, com meu filho, eu me permita voltar a brincar na chuva, quem sabe eu volte, me permitindo não apenas sentir esse prazer, mas também viver esse sentimento inafastável em todo sertanejo.

A chuva para nós não é apenas um tempo bom. Chuva é um sentimento que se confunde com alegria, saudade, fé... ver um tempo chuvoso é como olhar pro próprio coração em lágrimas, chorando de felicidade... ver um sertanejo brincando na chuva é como ver o próprio Deus...onipresente, onipotente, mas incansavelmente misericordioso...hei de vê-lo em mim novamente um dia...

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Em terra de esperança...

Tinha medo de estar certo. Poucas vezes na vida tinha sentido algo tão controvertido, um misto de alegria e desespero. Suas previsões, se confirmadas, acabariam por prejudicar não só a sua vida, mas também a de incontáveis pessoas que, como ele, dependiam da chuva e da terra para sobreviverem.

Mas a experiência não mentia. Seria seca, e das brabas. Sertão seco, quente e pobre. Era tudo o que ele não tinha pedido a Deus.

Mas ele tinha a informação, e aquela informação, naquele momento, poderia lhe dar algo que os outros não tinham. Dinheiro. Acreditava nas ciências ocultas e nas magias que lhes foram repassadas por seus ancestrais. Pais, avós, tios. Há séculos vinham fazendo as mesmas experiências, ano após ano, e sempre confirmando o que a natureza estava por oferecer.

Naquele momento, no entanto, o que restava a ele era usufruir desse conhecimento e, mais uma vez, conseguir algum dinheiro com isso.

Deixaria de plantar, assim evitaria o trabalho em vão e não gastaria à tôa os grãos de milho e feijão que poderiam alimentar sua carne.

Venderia logo os poucos bichos que tinha, pois sabia que com a seca a tendência era o preço cair, diante do aumento da oferta. Poucos teriam condições de sustentar seu gado, logo, muitos iriam vendê-los.

Por último, tentaria ganhar algum dinheiro nas bocas de aposta do mercado. Sempre em busca de dinheiro fácil, não eram poucos os que apostavam em eventos da natureza. Quando seria a primeira chuva. Quando o açude Raposa sangraria. Quando viria a seca.

Ele tinha essa informação e manteria consigo, afinal, em terra de escassez, quem tem um pouco de realidade já tem tudo. Em terra de esperança, quem vê a desgraça corre primeiro.