O e-mail chegou com um desafio: ficar uma semana sem reclamar para depois registrar a experiência no Hypeness.
Logo eu, que carrego uma nuvem cinza junto com a carteira, o celular e a
chave de casa? Minha vontade imediata era responder declarando
incapacidade mental e pedir, por misericórdia, para trocar de pauta.
Mas
daí já estaria reclamando de saída. Essa reação defensiva inicial só
mostrava o quanto a matéria fazia sentido. A inspiração para ela surgiu
do teste feito por David Cain.
Sua proposta era mais fundamentalista, com a contagem do tempo sendo
reiniciada do zero a cada derrapada. Foram 55 dias até David conseguir
ficar 21 dias seguidos sem fazer queixas.
Quem
me conhece bem sabe que posso me tornar um tanto reclamão em
determinadas situações. Porém, há um ano já vinha tentando me policiar
mais sobre isso. Muito provavelmente por ser o período em que comecei a
fazer terapia. Ao olhar para dentro de si mesmo e se entender melhor,
uma série de impulsos aparentemente involuntários vão sendo
descontruídos. Entre eles, o de reclamar. O que me leva à primeira
conclusão que tirei dessa semana: reclamar é sempre uma escolha.
Não,
não é inevitável. Quando a gente começa a prestar atenção, percebe que é
possível abrir mão na grande maioria dos casos. Só que o hábito diário
vai tornando a reclamação tão natural e orgânica que pode sim ser
necessária uma ajuda profissional para constatar isso. Se você reclama
além da conta, não tenha dúvidas de que um divã ajuda e muito. Afinal, as pessoas ao redor da gente não são um departamento de ouvidoria particular nosso.
Pois
bem, justo nessa semana minha esposa estava viajando. Ou seja, a
principal ouvinte dos reclames da minha estação não se encontrou
presente durante a produção da matéria. E isso acabou de certa forma
sendo um facilitador, pois passei uns tantos períodos em casa sem falar
absolutamente nada. Iria reclamar pra quem? Para esses dois companheiros
silenciosos aqui?
Esse contexto me despertou a segunda conclusão do experimento: o ato de reclamar pede uma plateia.
Quando não tem ninguém presente ou com paciência para ouvir, os
lamentos diminuem. E, ao exercitar mais o silêncio, a ansiedade por
verbalizar desgostos e indignações é reduzida. Os budistas sabem disso há tempos, tanto que têm na meditação um dos seus pilares.
Aproveitei
a ocasião para também praticar o silêncio naquele espaço onde sempre
encontramos audiência para nossas frustrações. Sim, as redes sociais.
Tentei acessar menos e não publicar nada nesse período. Eu QUASE
consegui:
Falando menos fui percebendo ao longo da semana como existem formas mais sutis de reclamação do que o #mimimi.
Pode ser uma expressão corporal, como um olhar enviesado, uma mudança
de feição, uma respiração tensa. Ou pode ser aquela reação negativa
instantânea que às vezes até dura pouco, mas por um instante toma conta
da nossa mente. E controlar o impulso por esse tipo de pensamento foi a
parte mais desafiadora. Não posso dizer que logrei total êxito.
Por
exemplo, num desses dias fui pegar minha moto na garagem do prédio e
encontrei um senhor bem à vontade estacionado no caminho da saída. Nem
sei se era vizinho, não o conhecia. Ele me viu chegar, cumprimenta-lo,
dar a partida no veículo e manobrar, sem esboçar qualquer iniciativa
para abrir passagem.
Foi um pouco difícil controlar alguns termos de baixo calão direcionados ao sujeito que me ocorreram. Mesmo sem verbalizar, eu já estava reclamando.
Inutilmente, porque no final das contas dava para passar e o cara nem
sequer notou minha indignação. Me fez bem destilar esse veneno
silencioso? Não creio. Logo ao sair da garagem, a lembrança do desafio
soou como um trombone em meu cérebro. E, enquanto escrevo, recordar que
me irritei por uma pequenice dessas chega a ser constrangedor.
Alguns
dias depois, saí para passear com os cachorros e no meio do trajeto
senti uma gotinha quente pingar no meu pé. Era exatamente o que você
imagina:
Quase
cheguei a emitir um palavrão, mas consegui evita-lo. Talvez por já
estar mais treinado, acabei dando risada da situação. Ufa, uma a menos. E
a constatação de que, apesar de trabalhoso, é bem possível controlar os
estímulos mentais negativos que nos levam a chiar em alto volume.
Merdas acontecem, não? Nunca vi uma reclamação limpar uma cagada.
Agora,
quer passatempo mais brasileiro do que reclamar do tempo? Nos táxis,
elevadores e self-services, é uma das queixas prediletas. E nesses dias
agora o clima de São Paulo não deu trégua. Foi uma semana inteira de
calor escaldante, dilúvio no fim do dia e abafamento durante a
madrugada.
Pela primeira vez desde
que comecei a trabalhar em home office, senti inveja do ar condicionado
de escritório. Pensei até em ir trabalhar no carro para tentar
reproduzir essa atmosfera. O que fazer quando a sensação térmica fica
insuportável, você não pode gastar água porque está em falta e nem
reclamar disso tudo? Lembrei do Ice Bucket Challenge.
Antes
que alguém reclame do desperdício, em minha defesa digo que a água era
de reuso. Captamos no banho e reaproveitamos para lavar o piso. Mas
nesse dia tomei a liberdade de despejar duas formas de gelo dentro e me
presentear com uma ducha reciclada. Às vezes, tudo que um reclamão precisa é de um balde d’água fria.
Com a semana do experimento chegando ao fim, fiquei pensando em como a reclamação é uma droga viciante.
É semelhante ao tabaco. Você nem lembra direito como começou a usar,
mas já adquiriu o hábito diário e inclusive aumentou as doses. Ao ficar
sem a droga, sofre crise de abstinência e pode ter umas tantas recaídas
até conseguir se livrar do vício.
Mas,
como disse lá no início, é sempre uma escolha. Se você deseja uma vida
limpa de reclamações, nem que seja com ajuda profissional, você vai
conseguir. Só que para isso é preciso assumir a compulsão por consumir
esse tóxico. Como sabiamente afirmam os grupos de apoio a dependentes, o primeiro passo para resolver o problema é reconhecer que o problema existe.
Após
7 dias seguidos monitorando as diversas formas desse comportamento se
manifestar no meu cotidiano, afirmo com convicção que a experiência é libertadora.
No começo parecia algo trabalhoso e que ia contra a minha natureza. No
final, minha própria mente já zombava de mim mesmo a cada sinal de que
ia me queixar. Era como se uma voz aqui dentro passasse a questionar: sério mesmo que você está cogitando reclamar disso?
Aquela história de que “menos é mais” não poderia fazer mais sentido. O
exercício me fez economizar uma energia imensa que provavelmente seria
desperdiçada com palavras negativas ao vento e tensão no corpo.
Inevitavelmente, você acaba se tornando mais pró-ativo. Ao invés de
reclamar que precisa realizar essa ou aquela tarefa, você vai lá e faz. E
acaba fazendo mais e mais. No fundo, viver é menos sofrido quando
deixamos de reclamar. Para a gente e para quem está do nosso lado.
Ainda
não posso dizer com 100% de segurança que estou curado desse mal. Mas
da experiência pretendo levar comigo a prática diária do silêncio.
E,
se você leu até aqui, é provável que também esteja cogitando alguma
iniciativa do tipo, não? Aceite o desafio. Experimente passar a próxima
semana sem reclamar e depois venha contar como foi. Use as #desafiohypeness1 e #umasemanasemreclamar nas redes sociais e sua foto pode vir parar aqui no Hypeness!
Todas as fotos © Daniel Boa Nova para o Hypeness
NOSSA OPINIÃO
Pelas redes sociais já vemos uma quantidade boa de pessoas tentando o desafio.
Confesso que não vejo a reclamação como algo inteiramente ruim. Ela muitas vezes é necessária. É uma defesa. Pra nós e para os nossos. Porém é indiscutível que a grande maioria das pessoas utiliza isso em excesso...
Enfim... DESAFIO ACEITO!!! Vamos tentar!!!
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