A vida no sertão nem sempre é difícil. Mesmo os mais desafortunados dos sertanejos têm seus relances de alegria e contentamento.
Fialho era o filho mais novo de um casal de sertanejos à moda antiga. Desses que se recusavam a aceitar a chegada da modernidade de uma forma muitas vezes agressiva. Achavam que bom mesmo era viver na simplicidade. Tudo que era moderno era ruim. Contaminava.
Certa vez Fialho comprou um rádio de pilhas. Gostava de ouvir músicas e, como em sua casa não tinha energia elétrica, sempre tinha que ir pra casa dos amigos se socorrer. Eles já tinham até televisão. Na casa de Fialho, nem se falava do assunto.
Chegou em casa todo espilicute com a nova aquisição. Juntava seu dinheiro há meses, ganhado a duras penas nas diárias que dava pro patrão. Ajudava sempre em casa, mas tirava um pouco do que ganhava pra cachaça. Outro pouco guardava pra comprar alguma roupa ou quem sabe pagar uma passagem até Sobral. Lá tinha de tudo. Numas dessas viagens, resolveu comprar o micro-sistem, ou "minisisti" como chamava.
Entrou em casa e deixou o equipamento no seu quartinho. Ainda não tinha comprado as pilhas, logo, não poderia usá-lo. Só dali há algumas semanas quando juntaria dinheiro suficiente.
Guardou e não contou a ninguém. Seus pais já eram bem velhos e, com o hábitos rígidos, demorariam a se adaptar àquela caixa falante. Era melhor prepará-los antes, para que se acontumassem com a ideia e depois permitissem que ele usasse o aparelho. A rigidez de seus pais era tamanha que todos os irmãos e irmãs mais velhos de Fialho já tinham saído de casa. Uns por causas natuais, como casamento ou morte. Outros por não suportarem viver em tamanho isolamento. Queriam ver TV, queria uma geladeira, ouvir música. Mais recentemente um de seus irmãos comprou um aparelho celular que pega na varanda da casa dele. É só ficar em pé em cima do peitoril, olhando pro poente e encostar o braço no pé de castanhola que tem do lado. Pronto! O sinal é quase bom!
Mas Fialho não tinha nada disso. Até então, pensava ele. Como filho mais novo, os pais haveriam de abrir uma exceção e lhe permitir o direito de ouvir seus forrós com tranquilidade. Baixinho. Não assustaria ninguém!
Guardou o som e foi trabalhar, feliz. Dali alguns dias teria o que tanto queria.
Ao retornar, já ao entardecer, percebeu algo diferente em seu pai. Ele estava sentado na calçada, como sempre ficava, mas dessa vez seu olhar era de alegria e contentamento. Muito diferente do olhar sério, mas sereno, de sempre.
Pediu a bênção e ia entrando, quando seu pai perguntou:
- Cê sabe dizerde quem era aquele negócio que toca música que tava lá no seu quarto?
- É meu, painho. Comprei hoje de manhã na feira de Sobral. O Senhor viu, foi?
- Se vi! Seu tio Chico veio deixar uma saca de milho e encontrou o bicho. Botou uns negócios dentro e ele começou a tocar uns chachado! Gostei tanto que vendi pra ele!
- Cê vendeu, meu pai? Mas era meu! - disse o filho desesperado!
- Oxente, menino! Tá aqui o dinheiro - falou estendendo a mão e entregando quase o dobro do que Fialho tinha pago pelo aparelho!
- Mas painho! Aqui tem muito! Tio Chico vai ficar chateado quando souber o preço certo.
- Fica não, meu filho. No sertão as coisas da cidade valem mais. Na cidade, as coisas do sertão vale menos. Por isso que só tenho coisas nossas. Só eu sei o valor do que tenho.
Fialho entrou refletindo sobre o que ouvira.
O velho sorriu feliz.
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