”Por que o Rei não fez o teste do na hora?”, perguntou certa vez
um repórter do jornal sueco Expressen ao Rei da Suécia, Carl XVI Gustaf,
no dia seguinte a um pequeno acidente de trânsito protagonizado pelo
monarca. Um dia normal na Suécia, onde autoridades não têm complexo de
Deus e a síndrome do ”você-sabe-com-quem-está-falando” é tão improvável
quanto a volta dos mortos ou a autocrítica dos cretinos.
O episódio da agente de trânsito condenada por danos morais após
abordar um juiz em uma blitz da Lei Seca, na zona sul do Rio de Janeiro,
demonstra que alguns magistrados brasileiros parecem pensar que são
deuses – e que muitos têm a certeza de que são.
Quando foi parado, o juiz e guardião da lei João Carlos de Souza
Corrêa dirigia sem a carteira de habilitação, sem placa no carro, e sem
os documentos do veículo. Diante do óbvio delito, a agente do Detran
Luciana Silva Tamburini informou o juiz que o carro teria que ser
apreendido. Houve um entrevero verbal. Segundo Luciana, o juiz,
irritado, se identificou como magistrado e deu voz de prisão a ela. O
juiz reclama que a agente teria dito que ele era ”juiz, mas não Deus”. O
caso ocorreu em 2011.
O desembargador José Carlos Paes, da 14a. Câmara Civil do Tribunal de
Justiça do Estado do RJ, condena agora Tamburini a pagar R$ 5 mil ao
juiz, por ter ”desafiado a própria magistratura e tudo o que ela
representa”.
Antes que alguma idéia de se conceder um auxílio-divindade a juízes
pegue, manda a lógica concordar que o respeito deve pautar – em mão
dupla – a relação entre agentes que trabalham para fazer valer a lei e
magistrados que têm o dever de defender o primado da lei. Assim como a
relação entre qualquer cidadão e qualquer autoridade.
Mas manda a sensatez que se modernize o conceito de ”autoridade”, em
uma sociedade já farta de carteiradas. Antes que seja condenado à morte o
respeito da população pela sua Justiça.
Vejamos o caso da Suécia, por exemplo.
Neste país escandinavo, não existe autoridade pública. O que existe é servidor público.
Juízes, políticos, militares, funcionários públicos de alta patente –
ninguém está acima de nenhum outro cidadão, e ninguém tem direito a
tratamento diferenciado. As leis e os bafômetros são iguais para todos.
A régia exceção é o velho rei, com seu privilégio de dias contados:
nem a Rainha Silvia, nem a herdeira da Coroa sueca e nem seus irmãos são
imunes aos apitos dos guardas de trânsito e aos rigores da Justiça.
Assim foi que, sem medo de exercer seu ofício, um guarda parou no
trânsito a princesa Madeleine, irmã da herdeira da Coroa, quando ela
dirigia um Volvo XC 60, da frota real, na faixa reservada aos ônibus no
centro de Estocolmo. Madeleine tinha pressa: faltavam quatro dias para o
seu casamento com um plebeu americano, e pela lei aquele evento de
grandeza real dava permissão especial aos carros da Corte de trafegar na
faixa exclusiva. Mas o agente de trânsito desconhecia a tal permissão, e
a punição foi diligentemente aplicada naquele verão de 2012.
”Já estamos emitindo uma multa no valor de mil coroas suecas (cerca de R$ 345)”, disse o policial Lars Lindholm.
Consumado o fato, Madeleine seguiu seu caminho. Coube então ao
porta-voz da Corte lembrar à polícia a permissão especial que dá de
fato aos carros da frota real o direito de dirigir na faixa reservada a
ônibus em ocasiões extraordinárias, como dias de visita oficial ao país.
E o casamento real de Madeleine, com a chegada de centenas de
aristocratas e autoridades estrangeiras à capital sueca, configurava uma
dessas ocasiões especiais.
”A princesa não tentou alegar nenhum tipo de imunidade”, destacou o porta-voz.
”Devido às circunstâncias especiais deste caso, a multa será retirada”, comunicou então o porta-voz policial Hans Brandt.
Mas não faltam exemplos, na Suécia, de punições exemplares a ”autoridades” públicas.
Em 2010, o deputado Sture Andersson, do Partido do Centro
(Centerpartiet), foi parado pela polícia na cidade de Skellefteå quando
dirigia seu carro sob efeito de álcool. Como manda a lei, soprou o
bafômetro. O teste constatou que Sture tinha naquele momento um nível de
álcool no sangue de 1,64% - muito acima do limite máximo de 0,02%
estabelecido pela lei sueca. A punição: o político foi condenado a um
mês de prisão, além do pagamento de multa de 37 mil coroas suecas (cerca
de R$12,8 mil) e das custas processuais.
Sture tentou apelar da decisão junto ao Supremo Tribunal da Suécia.
Sem resultado: o Supremo confirmou a sentença, e o deputado foi para o
xadrez.
Em 2012, a polícia abordou um juiz durante uma blitz na região de
Växsjö, e pediu que ele soprasse o bafômetro. O teste acusou 0,58% de
álcool no sangue. Imediatamente, o policial confiscou a carteira de
habilitação do juiz, que também foi condenado a pagar multa de 30 mil
coroas suecas (cerca de R$10,3 mil).
São vários os casos de autoridades que, na Suécia, são tratadas como qualquer cidadão. Horror, horror.
Em 2010, o próprio chefe regional da polícia, jurista e reitor da
Escola Nacional da Polícia Sueca, Göran Lindberg, foi preso e condenado a
seis anos de prisão, por crimes sexuais.
”O problema no Brasil é que ainda existe uma inversão de valores
sobre o que é ser uma autoridade pública”, diz o policial brasileiro
Gustavo Fulgêncio, que desde 2007 trabalha na divisão internacional da
polícia sueca.
”A autoridade pública brasileira não quer aceitar o fato de que a
autoridade da qual ela está imbuída vem dos cidadãos, e que por isso ela
deve trabalhar para o povo. Este é o sentido democrático de autoridade.
É o povo que paga o meu salário, então eu trabalho para o povo. No
Brasil, ainda sobrevive o conceito de que a autoridade está acima dos
cidadãos: ’agora eu sou uma autoridade, e você está abaixo de mim´”,
observa o policial, que é também aluno do curso de Ciências Políticas da
Universidade de Estocolmo.
Casos como o episódio do juiz-que-não-é-deus jamais aconteceriam na
sociedade sueca, diz Gustavo, que antes de chegar à Suécia no ano 2000
trabalhou dez anos na polícia militar de Pernambuco:
”Este tipo de situação não acontece por aqui. E se um juiz ou um
político sueco se recusassem a soprar o bafômetro, por exemplo, nós os
levaríamos diretamente à delegacia para fazer o exame de sangue”.
”A lei aqui é para todos”, destaca o policial brasileiro, com a devida ressalva à exceção do rei.
Pela lei sueca, o rei Carl XVI Gustaf deveria ter permanecido na cena
do acidente de trânsito em que se envolveu, a fim de realizar o teste
do bafômetro – esta é a norma para todos os cidadãos.
”O rei deveria ter feito o teste a fim de dar o exemplo, apesar de
ser o único que não é obrigado a cumprir esta norma”, disse o
funcionário do Vägverket (Departamento de Trânsito sueco) Hans Laurell à
época do acidente, ocorrido em 2005.
Abordado pelo repórter do Expressen sobre o bafômetro, o soberano
optou pela fleuma e o silêncio real. O jornal estampou em sua manchete:
”O Rei deveria ter soprado o bafômetro”. E ninguém foi processado, nem
condenado, por abuso ou desrespeito ao Chefe de Estado sueco.
No Brasil, o êxito da ”divina vaquinha”, a campanha virtual
organizada com a hashtag #juiznaoehdeus# a fim de coletar doações para o
pagamento da multa imposta à agente do Detran, é um recado claro de que
a sociedade está mais atenta aos seus direitos: ao lidar com o cidadão,
a autoridade pública também precisa saber com quem está falando.
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br
NOSSA OPINIÃO
Quanto mais somos, melhor devemos ser. Pessoas que, ao se tornarem "autoridades"ou ao conquistarem grandes fortunas ou status sociais, se tornam arrogantes, são a pior espécie de ser humano. São aqueles que, podendo dar o exemplo, destroem. Em vez de compartilharem a ética, compartilham a falta de vergonha na cara. Em vez de contribuírem com a sociedade, corrompem-na a seu favor.
São pessoas assim que tornam nosso país um lugar pior a cada dia. Não importa se essas pessoas tem dinheiro, se são estudiosas, se são felizes.... o que importa é que elas são pessoas ruins! Representam o mal!
Que Deus tenha piedade de pessoas assim e que permita aos seus filhos se tornarem pessoas melhores. Tenho pena desse juiz, mas tenho muito mais pena de seus filhos...
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