Crise da USP, onde grande parcela de estudantes poderia pagar mensalidades, coloca a questão do fim da gratuidade para todos, medida de justiça social
A crise da Universidade de São Paulo (USP), por má administração, coloca em debate o conceito de autonomia universitária, da forma como ela é exercido no Brasil. No centro da questão, o fato de a USP, dependente do erário paulista (ICMS), ter ultrapassado os limites de prudência na gestão da folha de pagamentos: em vez de representarem no máximo 80% do total da verba transferida do imposto, os salários ultrapassaram os recursos disponíveis e chegaram a 105% deles. Quer dizer, foi preciso sacar parte das reservas da própria instituição. Ao mesmo tempo, melhor universidade do país, a USP demonstra alguma decadência pedagógica, refletida em rankings internacionais de cursos de ensino superior.
A prestação de contas à sociedade e aos contribuintes em particular, os compromissos com critérios equilibrados de gestão, a definição de metas gerenciais e o monitoramento deles são temas que se impuseram ao debate em torno da crise da USP.
Outro assunto, subjacente, é o fim da universidade pública gratuita, tabu histórico no Brasil. Reportagem da “Folha de S.Paulo” fez simulações a partir do perfil dos alunos da USP e concluiu que, se os filhos de famílias de renda mais alta pagassem uma mensalidade compatível com a alta qualidade do ensino da universidade, dos R$ 4,1 bilhões que a USP recebeu do Estado de São Paulo no ano passado, R$ 1,8 bilhão, ou 43%, poderiam vir de mensalidades.
Defendida com veemência, a gratuidade beneficia, na verdade, os filhos das famílias mais abastadas, por eles terem podido estudar em escolas particulares do ensino básico e, assim, disputar vagas no vestibular com mais condições de serem aprovados do que estudantes de renda mais baixa, oriundos da rede pública. Quer dizer, boa parte dos estudantes poderia pagar, mas não paga. São sustentados pelo contribuinte. Segundo a própria USP, 34% dos alunos, a maior parcela, são de famílias com renda superior a dez salários mínimos (R$ 7.240). Outros 30%, de acordo com a reportagem, teriam acesso à bolsa de 50%, pelos critérios do Prouni. Vindos de famílias com renda entre cinco e dez SM, os estudantes pagariam apenas os outros 50% da mensalidade. Alunos dos cursos de pós-graduação também deixariam de estudar de graça. A simulação considerou mensalidades médias de universidades particulares de primeira linha. Só não se sabe ao certo quanto da folha de salários da USP seria coberto pelas mensalidades, porque a informação não é conhecida.
As vantagens do fim da gratuidade no ensino superior público não ficam apenas no campo da justiça social, segundo a regra simples: quem pode, paga; que não pode, recebe bolsa. O fato de a Universidade cobrar pela prestação de serviço também estabeleceria uma saudável cobrança por parte dos alunos pela qualidade deste serviço. Seria mais um estímulo a que subisse de nível a qualidade de gestão nos estabelecimentos de ensino públicos.
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